terça-feira, 6 de setembro de 2016

O que dizem as sondagens?

Um país à espera de saber o que aí vem, o que é que o futuro lhe reserva afinal, agora que já são conhecidos os resultados das Eleições Legislativas 2015. Diariamente, foram feitas sondagens. Uma tentativa de adivinhar o que iriam ser os resultados no dia D, no passado domingo, dia 4 de Outubro. Mas afinal o que é uma sondagem? Como é que todo esse processo funciona? É um processo tão linear assim? O que é que nele falha para que as intenções de voto e os resultados reais sejam diferentes? E em que métodos se baseia para que os resultados de ambos correspondam, como é o caso dos resultados das mais recentes eleições legislativas.

A Lei das Sondagens confere à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e também à Comissão Nacional de Eleições (CNE) a competência de regular as sondagens e os inquéritos de opinião, sendo que a segunda apenas actua nos dias das eleições ou referendos propriamente ditos e só tem algo a dizer sobre as condições em que se realizam sondagens junto aos locais de voto.

Apenas as entidades credenciadas pela ERC para tal podem realizar sondagens de cariz político, uma vez que estas obedecem a técnicas de elaboração e representatividade muito precisas. Até porque depois de estarem credenciadas na ERC, “cada uma das sondagens é objecto de uma ficha técnica e isso por si só não é garantia da qualidade do trabalho de campo mas é muito importante, e a ERC não intervém só a priori como também a posteriori. Se a ERC achar que houve alguma irregularidade cometida pela empresa, ou pelo jornal, ou pelo meio de comunicação social, na divulgação, tem uma capacidade efectiva de intervir. Não é daquelas áreas em que se a lei não foi cumprida, depois já não se pode fazer nada”, refere Filipe Montargil, colaborador da Intercampus na realização de sondagens até 2003 e professor de Sociologia na Escola Superior de Comunicação Social.


Ainda assim, e uma vez que se trata de opiniões, a Lei das Sondagens obriga a que, aquando da sua divulgação, se refira que, tal como se pode ler na lei acima mencionada: “tais resultados não permitem, cientificamente, generalizações, representando, apenas, a opinião dos inquiridos”.

A sociedade de democracia onde vivemos desenvolve-se com base no papel central que a opinião pública nela ocupa, uma vez que esta é importante e sempre a ter em conta na hora de tomar decisões, e por isso se torna tão importante garantir que se façam sondagens em que a transparência seja garantida e o funcionamento da democracia assegurado. As sondagens são assim uma maneira através da qual os cidadãos podem ser ouvidos, mostrando as suas preferências e dando-as a conhecer aos políticos e aos media, a quem com certeza interessa saber quais são as opiniões dos cidadãos e quais serão os reflexos e consequências das mesmas. As sondagens tomaram, assim, uma importante posição na nossa agenda pública, sobretudo em alturas como a das eleições.

“Se um conjunto de sondagens com baixa validade técnica traduz sistematicamente uma tendência de voto crescente numa dada força política, isso leva, ou pode levar, a que a população se veja induzida, consciente ou subconscientemente, a apoiar ainda mais essa candidatura. ou seja, um objecto teoricamente analítico e objetivo transforma-se num meio de indução e manipulação do voto”, diz Pedro Ramos, membro do Movimento Livre/Tempo de Avançar.

Ainda mais este ano, “com a realização de sondagens diárias, o espaço público e mediático viu-se, nas semanas de campanha eleitoral, absurdamente "inundado" de informações sobre sondagens, verificando-se uma grave falha na análise aprofundada das propostas apresentadas e na cobertura das campanhas eleitorais, sobretudo as dos partidos mais pequenos que têm também o direito, apesar da legitimidade da liberdade de escolha editorial, a uma maior divulgação mediática”, acrescenta.

As sondagens acima mencionadas foram feitas diariamente por parte de várias empresas, cujos resultados nem sempre coincidiram, nem sempre bateram certo entre si. E, assim sendo, impõe-se a pergunta: Terão as sondagens influenciado as decisões tomadas por parte dos políticos, e as decisões tomadas pelo público também, reflectindo-se depois no seu comportamento eleitoral? E, mesmo neste parâmetro, haverá diferenças entre o comportamento eleitoral por parte do público mais adulto e por parte do público mais jovem?

Tal como Catarina Silva, de 29 anos, militante do Partido Social Democrata e membro da Juventude Social Democrata, diz: “As sondagens são credíveis, sim, e julgo que a juventude liga às sondagens, no sentido em que tem curiosidade em saber em que ponto está a situação mas não acredito que se deixe ou deva deixar influenciar pelas mesmas”.
“As faixas etárias mais jovens tem um tipo de conhecimento e formação diferente e a descrença na politica entre os jovens é muito significativa. Estes dois fatores fazem com que a maioria dos jovens não tenham as sondagens como fator de decisão no voto e\ou na abstenção”, refere António Santos.
As sondagens pretendem obter a opinião e conhecer a intenção de voto de um determinado grupo de pessoas e posteriormente divulgar esses mesmos resultados e “apenas se a amostra for bem seleccionada e em quantidade suficiente se podem tirar algumas conclusões ou fazer algumas previsões”, como diz Tiago Lopes, de 26 anos, membro da Juventude Popular. “As intervenções dos principais candidatos pode ajudar um indeciso ou mudar um voto, as sondagens acho que não. Eu próprio não mudo a minha intenção de voto pelos valores que as sondagens apresentam. São apenas uma previsão com base numa amostra da população com direito ao voto”, acrescenta.
Filipe Montargil diz que normalmente “não vale a pena ter uma amostra com 10 mil pessoas, é tudo uma questão estatística, e há um momento a partir do qual o que eu ganho por ter mais uma pessoa na amostra já não me compensa o que estou a gastar em tê-la”. A selecção das pessoas para a sua participação nas sondagens faz-se respeitando métodos estatísticos cientificamente validados, e varia consoante a empresa que vai realizar as sondagens.

A Intercampus é formada por um grupo de entrevistadores especialistas em recolher a devida informação junto do público-alvo. É membro activo em diversas associações existentes na sua área de acção, como por exemplo a Alliance of International Market Research Institutes, e  Associação Portuguesa das Empresas de Estudos de Mercado e de Opinão, da qual é um dos membros fundadores.

O CESOP - Centro de Estudos e Sondagens de Opinião - insere-se na Universidade Católica Portuguesa desde 1991, e é uma referência no que diz respeito à investigação social aplicada, sobretudo pela realização de estudos aplicados que permitem às entidades públicas e privadas adaptar-se às constantes mudanças sociais e preparar-se para o futuro.

“As sondagens são feitas por empresas num sistema de mercado e concorrência, logo estão dependentes de financiamento, tal como os meios de comunicação social, o que pode gerar alguma tendência de favorecimento. No entanto, acredito nos nossos reguladores de mercados e na sua capacidade de não permitir que se divulguem sondagens falsas ou sem dados visíveis que as justifiquem”, refere António Santos, membro da Juventude Socialista.
Há também que referir os anos em que os resultados das sondagens nada tiveram a ver com os resultados finais reais. E, nestes casos, que explicações é que encontramos? Os telefones fixos foram substituidos pelos telemóveis, os fluxos de população e a descrença no sistema político vieram, ao longo do tempo, a tornar-se realidade no nosso país.  “Os resultados podem ter tendência, e considero que os métodos possam ser ineficazes, o número de indecisos é elevado e mesmo a idoneidade de quem responde pode ser duvidosa. A margem de erro neste tipo de estatísticas pode ser elevada não necessariamente por falta de ética mas pelo carácter subjetivo e variáveis usadas com bastante volatilidade”, diz António Santos.

De acordo com a Lei das Sondagens, são utilizadas técnicas estatísticas para garantir que a amostra é representativa, de modo a que seja possível generalizar os resultados que se obtenham para o universo alvo, do qual é extraída essa mesma amostra. Ainda assim, há que ter em conta o “erro amostral”, uma vez que se observa uma parte e não o todo e, como tal, corre-se sempre o risco de que os resultados não sejam exactamente os mesmos caso se observasse todo o universo ao invés de apenas uma parte.

Relativamente às sondagens politicas, Portugal conta com 9 milhões de eleitores recenseados, e em média são inquiridas 900 pessoas por sondagem. Fazendo as contas, apenas um em cada dez mil eleitores faz parte da sondagem. Seriam necessárias 10 mil sondagens com respetivas amostras de 900 pessoas para se poder obter a resposta de todos os cidadãos recenseados. Assim, é fácil observarmos que a probabilidade de se ser inquirido é muito reduzida, e é por isso que, a seguir aos resultados das sondagens publicados, aparece sempre a determinação do erro e o intervalo de estimação.

Mas não só por aqui se ficam os factores que exercem influência na determinação dos resultados: muitas vezes verificam-se problemas relacionados com o processo de selecção das amostras, no desenho do próprio questionário e na recolha e análise dos dados. As pessoas indecisas, que dizem não saber em quem vão votar e aquelas que simplesmente não respondem também influenciam as sondagens, nomeadamente as sondagens de projecção, uma vez que a sua resposta aquando da realização da sondagem pode diferir com maior facilidade daquele que depois será o voto real. “As sondagens são, pela sua própria natureza, sondagens de opinião. Obviamente que, por mais credíveis que possam ser, o que realmente conta são os votos que entram nas urnas, a intenção de voto - sondada - pode vir a constatar-se uma abstenção, um voto nulo ou mesmo um voto noutro partido”, refere Catarina Silva.

Nas sondagens à boca das urnas, tal já não acontece, uma vez que a pergunta feita é “Em quem acabou de votar?” e não “Em quem pretende votar?”, e é muito importante esta diferença entre o passivo e o activo, entre aquela pessoa que diz que vai votar e aquela que o efectivamente o faz. E este tipo de sondagem é, segundo Filipe Montargil, “a sondagem que tem como obrigação retratar de uma forma correcta os comportamentos dos eleitores, porque se está a perguntar em quem é que a pessoa acabou de votar”. Ao contrário das outras sondagens, feitas a duas semanas das eleições, que na sua opinião não tem como objectivo adivinhar o que vai acontecer no dia das eleições: “O objectivo é tentar perceber o que está acontecer naquela altura, tentar perceber se a eleição fosse feita naquele dia qual é que seria o comportamento eleitoral por parte das pessoas. É evidente que numa sondagem feita a uma semana não estamos à espera de grandes alterações, a não ser que haja qualquer coisa de radical que perturbe a tendência verificada ao longo do tempo”. Menciona também o caso do Bloco de Esquerda, que nestas eleições obteve resultados mais altos do que as sondagens previam. “Não estou a dizer que isso seja um erro das sondagens. Pode inclusivamente ter acontecido que a divulgação dessas mesmas sondagens tenham ajudado, em parte, a alimentar esse próprio crescimento”, explica.

Ainda relativamente às sondagens realizadas este ano, os resultados obtidos “captaram bem a tendência de evolução da intenção de voto do eleitorado”, diz Filipe Montargil. Mas foram vários os casos, vários os dias, em que a Intercampus e o Centro de Estudos e Sondagens de Opinião, da Universidade Católica Portuguesa, entidades credenciadas pela ERC para serem responsáveis pelas sondagens diárias relativamente às Eleições Legislativas 2015, diferiram, dando, no mesmo dia, valores diferentes ao mesmo partido.

“Tinhamos três cenários diferentes. Se isso é um problema grave? Não, não é, porque a rarefacção da amostra e a dificuldade de estimação é enorme mesmo no contexto estatístico, é um desafio muito grande, mas não deixa de ser um dado curioso que as três sondagens apontassem três cenários potencialmente diferentes”, refere Filipe Montargil.

Outubro de 2015
Inês Antunes Malta

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