terça-feira, 6 de setembro de 2016

Vitiligo
À flor da pele


A cor da nossa pele é determinada pela melanina, um pigmento produzido por células especializadas da pele - os melanócitos. A cor da pele depende assim da quantidade e do tipo de melanina que nela estejam presentes, e é das alterações ao nível deste pigmento que resultam as doenças da pigmentação, como o albinismo, o vitiligo, os melasmas e as alterações causadas por lesões da pele.


É também a melanina que determina a cor do cabelo e da íris, e esta depende de factores hormonais e da exposição à luz solar. A exposição ao sol aumenta a produção de melanina como mecanismo de protecção contra a radiação ultravioleta.


Embora a maioria das doenças da pigmentação seja benigna e o seu diagnóstico simples, é essencial excluir o melanoma, assim como os seus precursores, e identificar lesões da pele que sejam manifestações de doenças gerais. O diagnóstico destas doenças passa pela história clínica, pelo exame médico e, sempre que necessário, pela recolha de amostras de pele para estudo em laboratório.


O vitiligo é uma doença em que a perda dos melanócitos produz manchas brancas e lisas na pele. No nosso país, o vitiligo afecta cerca de 1% da população, incindindo de igual forma em homens e mulheres. Em 25 a 50% dos casos, existem já histórias anteriores de vitiligo na família.


Em algumas pessoas surgem apenas uma ou duas manchas, bem delimitadas, e noutras são mais extensas. As manchas são mais evidentes em pessoas que tenham a pigmentação mais escura, e nas áreas da pele afectadas por esta doença os pêlos crescem brancos, uma vez que os folículos pilosos perdem também os melanócitos. O vitiligo pode surgir depois de um trauma físico, ou pode estar associado a doenças como a de Addison, a diabetes, a anemia perniciosa, e também doenças da tiróide.


Um dos factores a ter em conta no que diz respeito ao vitiligo é o grande impacto psicológico que pode ter, uma vez que tem um efeito directo na imagem da pessoa e consequentemente na sua auto-estima.


Winnie Harlow ou Chantelle Brown Young, nome pelo qual pretende ser reconhecida, tem 21 anos, é modelo, e chamou à atenção do mundo inteiro pela sua beleza e pela sua diferença. Tem vitiligo e no seu caso torna-se ainda mais óbvio pelo facto de a sua pele ser escura. “Num mundo onde ser bonita se traduz em perfeição, esta modelo está a fazer a diferença”, escrevia-se no jornal Público, há cerca de dois anos, quando Chantelle se tornou conhecida.


Chantelle tem vitiligo desde os seus quatro anos, quando as suas primeiras manchas apareceram, mas só aos 17 anos falou disso publicamente, com a publicação de um vídeo onde falava sobre a sua doença. Crescer diferente foi bom e mau, uma vez que ouviu as outras crianças chamarem-lhe nomes como zebra e vaca. Chantelle Brown-Young, aos 20 anos, foi a primeira mulher com vitiligo a desfilar para uma marca conhecida internacionalmente - a Desigual. Hoje, apresenta-se no Instagram como porta-voz do vitiligo, posição que já usou anteriormente no liceu onde andou e onde falou a alunos sobre discriminação e bullying por se ser diferente.


No seu vídeo “Vitiligo: A Skin Condition not a Life Changer” - Vitiligo: uma doença de pele e não uma mudança na vida, divulgado em 2011, Chantelle, além da sua beleza, mostra a sua maturidade. “Não temos nada de diferente. É apenas pele”, diz a jovem. “Eu não sou a minha pele. Se um dia a minha pele for toda negra, continuo a ser modelo. Se for toda branca também”, frisou numa entrevista dada ao Guardian.


É uma doença que pode surgir em qualquer idade, mas o seu pico de incidência situa-se entre os vinte e os trinta anos. David Dinis, de 40 anos, tem vitiligo há cerca de 17 anos. “Estranhei ao início, procurei explicações. Todos os médicos me disseram que não era grave, nem havia tratamento eficiente. Talvez o estado de stress de então tenha ajudado, mas depois disso já tive vários e nunca piorou. Em relação aos cuidados a ter, tenho muito cuidado com o sol, isso sim, de resto nada mais”, diz.


Os sítios do corpo onde o aparecimento destas manchas é mais vulgar são as mãos, os pés, os braços, os joelhos, os lábios e ao redor das zonas genitais, da boca, do nariz e dos olhos. E não é possível prever o seu desenvolvimento em cada doente individualmente. As lesões podem ser pequenas e centradas apenas numa parte do corpo como podem dar origem a um vitiligo universal que cobre mais de 50% do corpo. Embora não se conheça cura para o vitiligo, as áreas afectadas por esta doença, se forem pequenas, podem ser camufladas com diversas tintas próprias para o efeito e que ainda duram vários dias, e os filtros solares e os protectores contra a exposição ao sol são essenciais para evitar queimaduras.


Em relação às reacções das pessoas, por vezes vêm ter com ele e dizem-lhe que conheceram este ou aquele projecto mas o vitiligo não é de todo uma coisa má na vida de David. “Como me sinto eu próprio assim, nem fui descobrir”, conta. As reacções que tem por parte das pessoas são positivas, na sua maioria. É interrogado pelas crianças, mais do que pelos adultos, que querem saber o que são afinal de contas aquelas manchas. Só pela positiva, na verdade. As crianças vêm perguntar, querem saber. “Volta e meia reconhecem-me pelas manchas porque me vêm na TV. Há quem me venha dizer que eu podia fazer isto ou aquilo. São realmente amáveis, as reações”, refere.


Julia Kaczorowska vive em Varsóvia, a capital da Polónia, e à medida que vai ficando mais velha vai também gostando mais de viver naquela cidade, embora sinta uma grande ligação com Paris, sítio onde nasceu.


Durante a semana, Julia estuda Jornalismo e Fotografia na Universidade de Varsóvia, e trabalha num escritório para que possa ganhar o seu próprio dinheiro. Para além disso, faz trabalhos de fotografia com dois amigos e juntos criaram um grupo chamado NEBA, cujo site está ainda em construção, mas o trabalho pode ser encontrado no portfolio online de Julia, na plataforma online Behance.


“As primeiras manchas apareceram na minha pele durante as férias, quando eu tinha quatro anos. Primeiro, nos cotovelos e nos joelhos e depois aos poucos e poucos as manchas começaram a espalhar-se. Para uma menina pequenina, da minha idade, alguns sítios brancos no seu corpo não eram um problema, mas para raparigas que acabaram de entrar na puberdade, sim, era. Entre os onze e os treze anos, as manchas preencheram os meus joelhos, os meus cotovelos, as palmas das minhas mãos e a pele à volta dos meus olhos. Eu costumava estar na praia de maneira a que ninguém conseguisse ver a parte da frente das minhas pernas. De qualquer maneira, nunca senti a falta de aceitação ou comportamentos inadequados em relação à minha doença por parte dos meus colegas de escola/amigos. E talvez isso tenha partido de mim, porque eu própria nunca tive nenhuns problemas com as minhas manchas”, conta.


Julia quis contar a sua história e a história de tantas outras pessoas que, tal como ela, têm vitiligo, e viu no seu projecto de curso a oportunidade ideal para o fazer. Wzory: assim se chama. Em poláco, esta palavra tem dois significados. O primeiro tem a ver com padrões, com os vários designs. O segundo significa modelo, no sentido de ser alguém que é olhado pelas outras pessoas como um exemplo a seguir.


“De repente, isso apareceu, começou a tornar-se algo mais comum e especialmente no mundo virtual há muita gente como eu. Fiquei também positivamente surpreendida quando vi o sentido de comunidade que existe entre as pessoas com esta doença. Muitos posts em grupos do Facebook, como o “Vitiligo Pride”, começam com palavras como “Hi my new vitiligo Family", conta.


Com a hashtag #vitiligo no facebook, em fóruns, no instagram, etc, encontram-se várias pessoas com vitiligo que, segundo Julia, “não postam isso para mostrar quão deprimidos são e o quão mal estão com isso. Eles querem dizer às outras pessoas “olhem para mim, eu sou especial, eu sou bonito”. Na Polónia, as pessoas são na sua maioria mais queixosas. Os grupos estão cheios de pessoas a perguntar como é que se pode cobrir os espaços, se conhecemos alguns tratamentos, enquanto nos grupos europeus e mesmo globais as pessoas são muito mais cheias de energia positiva.


Sobre o projecto e todo o processo de chegar àquelas pessoas Julia explica que as pessoas que fotografou não eram suas conhecidas. “Para ser sincera antes de eu começar este projecto, eu não conhecia ninguém que tivesse vitiligo. Então decidi procurar pessoas que se tivesse habituado à sua aparência, falar com elas, e fotografá-las, aqui e também fora da Polónia”, diz. Com a ajuda dos media, conseguiu chegar a imensas pessoas com as quais pôde falar. Criou o evento no Facebook e como região para delimitar o seu projecto marcou a Europa inteira. De repente, começou a receber imensas mensagens. Pessoas com vitiligo começaram a entrar em contacto com ela, mesmo sendo de diferentes zonas da Polónia, mas também dos EUA, da Inglaterra, da Suécia e até do Paquistão. Cada uma das doze pessoas fotografadas, independentemente da sua nacionalidade, género e idade, pode ser tida como um “role model” para aquelas pessoas que têm a mesma doença mas que, por outro lado, não sabem lidar com a sua doença, não sabem lidar com a sua condição. “No meu trabalho, não me foquei nas experiências dramáticas do vitiligo, mas sim nas pessoas que estavam numa certa parte do caminho para se aceitarem a si próprias mas hoje tratam os seus pontos e as suas manchas como algo natural, ou até consideram que isso é o que as faz especiais e que de certa forma embelezam os seus corpos”, explica.


Julia queria conhecer pessoas que aceitam as suas manchas, queria conhecer as suas histórias. Mas quando deu por si já estava a receber cartas de mulheres que se sentiram encorajadas pelo seu trabalho para usar fatos de banho no verão, em vez de se esconderem. Mas não se ficou por aqui. “Uma rapariga pequenina que eu fotografei está agora num acampamento e, com confiança, explica o vitiligo para as outras crianças quando eles vêem a sua pele. É qualquer coisa de espectacular. Essas são coisas das quais eu não estava à espera, foram grandes surpresas que fazem este projecto valer cada esforço feito. Quando eu olho para os media, quando eu falo com pessoas com vitiligo, eu posso descrever isso como sendo “uma grande tribo”, independentemente do sexo, da idade, da raça, do país de origem”, refere.


Devido a incompatibilidades financeiras, Julia não conseguiu fotografar todas as pessoas que se ofereceram para fazer parte deste seu projecto, mas diz que gostava de continuar:“Tenho imensas pessoas que querem ser uma parte disto, só tenho de encontrar e conseguir ter mais tempo e dinheiro para o fazer”.


Embora tenha recebido um feedback muito positivo por parte das pessoas, tenham sido elas parte integrante do projecto ou não, Julia diz: “eu sou realista, eu sei que não vou mudar o mundo, mas se as minhas imagens tiverem sucesso e conseguirem chegar às pessoas de maneira a que se mudem mentalidades, e uma pessoa não evite apertar a mão a uma pessoa com vitiligo, então fui bem sucedida”.

Inês Antunes Malta