terça-feira, 6 de setembro de 2016

“Já Sinto”
um projecto que quer, acima de tudo, fazer sentir
entrevista a Filipa Jacinto

A Filipa é licenciada em Design Geral e tem o mestrado em Design Visual, ambos tirados no IADE, em Lisboa. Foi num intercâmbio no Rio de Janeiro que teve o seu primeiro contacto com a arte urbana. Como é que tudo aconteceu exactamente?
Eu tirei a licenciatura em Design Geral, no IADE, e depois escolhi tirar um mestrado em Design Visual, também no IADE e estar a tirar a licenciatura eo mestrado na mesma instituição estava-me a custar um bocadinho mas, também, de qualquer das formas, um mestrado lá fora era muito caro e para tirar aqui em Portugal, teria que ir para fora de Lisboa e portanto a melhor hipótese pareceu-me ficar na minha faculdade. Mas, ao mesmo tempo, também não queria ficar limitada àquele tipo de ensino, apenas.O primeiro ano do mestrado foi talvez dos mais giros porque já estava na minha área, eu adorei, e o segundo ano do mestrado era o ano da tese, onde se faz uma tese escrita, um projecto.

E é aí que se dá a transição de Lisboa para o Rio de Janeiro?
Sim, porque eu não quis estar um ano inteiro a fazer um projecto ou a escrever uma tese, acho que é demasiado tempo. Foi aí que eu percebi que queria ir para Intercâmbio. Nunca tinha feito e achei a melhor altura para o fazer, uma vez que precisava de uma ideia para o projecto da minha tese, e não era aqui a fazer o mesmo que ia acontecer alguma coisa. E então foi aí que decidi ir para o Rio de Janeiro, porque adoro bom tempo, e porque eles têm um design muito mais particular do que nós, são mais ligados às artes plásticas, gostam mais das coisas manuais, um pouco como eu. Lá comecei a fazer umas disciplinas mais alternativas. Fiz umas quantas experiências em design muito diferentes.

Foi então no Rio de Janeiro que, através do contacto com esta nova realidade, todas as ideias começaram a surgir e vieram dar origem a este projecto, “Já Sinto”?
Eu voltei para Portugal em Março deste ano, e faltavam-me seis meses para terminar o mestrado. Então, eu tive de ter a ideia muito rápido. Eu, no Rio, comecei a tirar fotografias à cidade. Não foi uma coisa de pensar logo neste projecto, foi uma coisa até mais turística. Era uma cidade nova, eu estava a morar numa cidade nova, então fotografava tudo o que encontrava, como é normal. E realmente eu comecei a gostar destas frases, é como eu digo no vídeo: estas frases marcaram-me realmente e fazem parte de mim até hoje.

A primeira frase foi provavelmente o despoletar de tudo isto, uma vez que foi a primeira e teve de ter força suficiente para a fazer continuar. Qual foi a primeira frase que fotografou no Rio de Janeiro?
A primeira frase que fotografei foi “queria um dia só viver contigo para sempre”. Eu estava no Rio, e não estava a querer vir-me embora, já só faltavam cerca de 4 meses para voltar e realmente com essa frase parecia que a cidade estava a falar para mim. E eu a partir daí comecei a fotografar frases.

Sabe também qual foi a última?
A última frase que eu encontrei no Rio de Janeiro foi “pare aqui, aprecie a vida por um minuto e sorria”. Faltavam três dias para eu voltar para Portugal. Eu até chorei. E agora até já falei com o rapaz que fez o Oraculoproject, e disse-lhe mesmo: “obrigada por estares a espalhar essas frases porque realmente foi a última frase que eu li no Rio de Janeiro antes de vir para Portugal”, e, quando eu cheguei cá, tinha o repertório de algumas frases e pensei que queria fazer um projecto com isto. Não sabia bem o quê mas queria fazer algo com isto. Comecei a falar com os meus professores e disse que queria fazer qualquer coisa com as frases. E uma das hipóteses era começar a ilustrar as frases, porque eu adoro tipografia.

Como chegou então a uma conclusão, a uma ideia concreta, daquilo que queria fazer realmente?
Eu tentei fazer assim: o que é que eu adoro em design? Eu adoro arte, eu adoro tipografia e eu adoro fotografia também. Como é que eu posso juntar isto? Mais o design, claro. Fiz um bolo e consegui juntar estas àreas. Fui também buscar a arte urbana, porque para mim é uma arte que é expressiva. É a expressão artistica da actualidade, é uma arte de que qualquer jovem gosta. É uma coisa muito honesta. E por isso é que eu acho que olhamos para estas frases na rua e sabemos que não é como a publicidade. Sabemos que não há ninguém que está a tentar vender uma coisa que é falsa. Sabemos que aquilo é honesto e que as pessoas que escreveram não ganham nada com isso. Acreditamos realmente que aquela pessoa escreveu aquilo de coração. Porque realmente sentia aquilo e pegou na caneta e foi completamente intuitivo. Pegou na caneta e escreveu na parede aquilo que sentia e queria gritar ao mundo. O mais engraçado é que eu senti que estas pessoas não são ouvidas. As sociedades que se sentem mais marginalizadas e menos ouvidas são aquelas que mais respondem a isso e são aquelas que mais tendem a criticar aquilo que se passa à nossa e à sua volta. Embora também haja muito aquela ideia de fantasia e de sonho, também característica da arte urbana, às vezes uma ilustração só para animar o teu dia. Mas de qualquer das formas as pessoas às vezes sentem que não estão a ser ouvidas e põem a voz delas nas paredes da cidade porque a cidade é uma galeria sem restrições. Ninguém vai dizer que não se pode dizer aquilo, e é impossível também as pessoas passarem e não lerem aquilo que lá está. Então acho que é mesmo isso: eu estou aqui, eu sinto isto, alguém me pode ouvir, por favor? Eu comecei a gostar mesmo disso, comecei a ligá-las mesmo a mim, àquilo que eu própria queria ser e àquilo que eu estava a sentir.

Quais foram as primeiras ideias que teve para este projecto?
A ideia no início foram as fotografias. Eu decidi isso logo previamente. Queria fazer uma página onde pudesse pôr essas mesmas fotografias e não queria que fossem apenas as minhas mensagens. Foi o que percebi desde logo, também por vários artigos que lia sobre Design para a elaboração da minha tese.

Mas não se limitou apenas às fotografias nem à página para as colocar...
Havia uma autora, a Ellen Lupton, na qual eu me inspirei, que diz que “para uma peça ser boa, ela tem que ter a colaboração do seu público”, ou seja, para tu fazeres algo que é aceite pelo público, o público tem de participar. Não posso ser só eu, Filipa Jacinto, o que me apetece dizer e o que eu quero, porque senão as pessoas não se ligam a mim. Ligam-se, em certa parte, porque podemos ter gostos parecidos, mas, às tantas, a pergunta é: “será que é mesmo isso que eu quero?”.  Por isso é que decidi que não queria que fosse só a minha voz, queria que fosse a voz de todos. Uma vez que eu decidi que ia fazer isto, em rede, comecei a pensar em como é que ia chamar a atenção das pessoas, e foi aí surgiu o vídeo. Pensei: “Vou fazer um vídeo!”, porque se escrevesse, ninguém ia ler o que eu ia escrever, e uma fotografia só também não ia exprimir tudo o que eu estava a sentir.

Explicação de como teve a ideia para o vídeo, bom para áudio
Um vídeo como? Eu sinto isto assim, eu acho que as pessoas realmente me deviam ouvir. Eu senti que devia dar voz a este projecto para o vídeo porque eu acho que as pessoas iam sentir que é honesto e que o que eu estava a dizer era sincero porque, com umas legendas, não era tão pessoal. Não era tão emocional. E então eu pensei: “Vai ter a minha voz e, olha, já que vai ter a minha voz, vai ter também o meu corpo. Vou ser eu. Mas eu não me mostro no vídeo. Aliás, eu mostro-me nos dois segundos finais. Mas eu não mostro quem sou por uma razão. Isso foi algo que eu também expliquei na minha tese, Não interessa quem é que está a dizer o quê mas sim quem disse e porquê, Ou seja, há muitas frases que eu sei quem são os autores. Por exemplo, eu tenho frases do Mário Belém, do Miguel Januário, fui buscar alguns autores portugueses que eu gosto em arte urbana mas nem sempre é possível eu saber quem é que escreveu aquela frase na parede, simplesmente ou não assina ou não se faz a menor ideia. Mas isso não interessa porque aquilo que interessa é a frase e não quem é que disse a frase, e essa parte realmente interessou-me. Então eu disse: vou estar no vídeo, vai aparecer a minha voz, por três segundos só para que as pessoas percebessem que eu existo, mas não interessa quem é que eu sou.


Presumindo que o nome tenha sido uma adaptação do seu apelido, foi logo muito óbvio que seria esse o nome para este projecto ou ainda levou o seu tempo a decidir?
O “Já Sinto” obviamente está ligado ao meu nome, eu sou Filipa Jacinto, mas não é uma coisa que eu disse logo, de princípio, para as pessoas perceberem que era isso. Não, não interessa. Era “Já Sinto” de sentimento, no sentido de perceber como é que um sentimento define quem nós somos.

Same thing
Há pessoas que dizem que não deves tornar os teus trabalhos muito pessoais senão as pessoas não vão ligar-se a isso, e eu ouvi muito essa opinião. A de que não devia ser eu a falar, não devia ser a minha voz nem o meu corpo, nem o meu nome. Mas eu penso que as pessoas de quem eu mais gosto e mais admiro na internet, as páginas e tudo isso, nesses casos, quanto mais pessoal é mais eu gosto. E pelo menos tu percebes o que essa pessoa é e tens o minimo background para te ligares a ela. E o “Já Sinto” começou por uma piada porque em conversa com um rapaz no Rio de Janeiro eu disse que me chamava Filipa Jacinto e ele disse: “Ah, tou sentjindo” e fez um trocadinho com aquilo e eu achei graça e então guardei aquela memória. E quando comecei pensei que Já Sinto devia ser o nome do projecto porque afinal este é um projecto sobre sentimentos. E tem a ver com o meu nome, sim, mas no sentido de perceber como é que um sentimento define quem é que nós somos. Então, sim, entrei por trocadilho e achei que fazia todo o sentido para este projecto.


Como foi todo o processo e ligação à Travessa da Ermida, a fim de ser o lugar da sua exposição?
Eu fui aparecendo em vários lugares nos media, o que foi bom para mim e para este projecto. Eu mandei o meu projecto para o p3, eles publicaram, e depois foi uns a seguir aos outros. Como o p3 publicou o meu trabalho, e eu tive 14 mil visualizações no vídeo, a Sábado contactou-me para publicar o projecto, e depois seguiu-se o Jornal de Notícias. E eu soube deste espaço, deste ateliê, através de uma amiga minha e vim cá falar com o responsável e apresentei o projecto. Apresentei o que tinha na altura, que era apenas a minha tese. Apresentei as ilustrações tipográficas e comecei-lhe a mostrar. E isto foi feito e montado tudo muito à pressa, porque as exposições estão sempre a mudar. O catálogo, os posters, fui tudo eu que fiz, do inicio ao fim. Estas frases são aquelas que eu tenho agora no projecto, eu não fiz nem mais uma. São até agora o que eu lancei para a página do “Já Sinto”, as fotografias idém aspas, e o mural fica até fevereiro. O “vive, aprende e passa a mensagem”, porque eu pensei: Eu sou igual, eu adoro fotografar frases, e pensei muito sobre o que é que as pessoas querem ver. O fácil é que eu também sou a cliente do meu próprio negócio, do meu próprio projecto. Frases para guardar. As pessoas querem frases para ler antes de ir dormir, que é o que eu quero também.
Quais são as restrições, por assim dizer, que tem em relação ao tipo de frases que faz parte deste projecto?
As minhas frases costumam ser muito positivas. Tenho algumas de sensibilização, mas normalmente sou mais de uma onda mais positiva, mais de amor, mais de gentileza, porque tem muito a ver com o meu início e com tudo o que eu vivi no Brasil. Eu gosto muito mais dessa parte, é o melhor que nós temos e eu queria mesmo chamar à atenção para isso, conseguir pôr um sorriso na cara das pessoas. A frase “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, do Fernando Pessoa, é o início da minha tese e eu realmente sinto isso. Eu queria dar voz a todos os sonhos das pessoas, uma coisa muito positiva, muito de amor e, por isso, normalmente eu selecciono por esse caminho.

E em relação à especificidade de serem todas em português?
Houve um momento em que decidi que as mensagens iam ser todas em português, e isso é explicado na minha tese também. Quando voltei a Portugal, o que eu senti logo foi saudade e por mais que se queira definir saudade noutra língua não se consegue. E o que eu senti foi que a língua portuguesa era o que nos mantinha próximos apesar de estarmos longe, e que era o que permitia quebrar as barreiras que nos separavam. Porque há tantos portugueses a morar fora como eu estive, e eu voltei mas há pessoas que não voltam. Há pessoas que moram longe e eu pensei que a língua portuguesa era realmente o que nos ligava a todos. Eu encontrei uma frase portuguesa no Chile, e pensei que, se encontrei uma frase portuguesa no Chile, então, se calhar, há uma frase em português na Índia ou no Japão, não sei,  é isso que estou a tentar descobrir com este projecto.

Mesmo tendo a língua portuguesa como um dos pilares deste projecto, pretende-se dar voz a muito mais línguas, muito mais pessoas, muito mais culturas. Qual é a ligação das diferentes tipografias a este projecto?
Sim. Tive de parar um pouco isto e, depois de ter escrito a tese, retomei para as ilustrações tipográficas, que têm mesmo uma razão de ser. Elas são o cérebro deste projecto, em primeiro lugar para mim, porque é a parte em que eu aplico o design, tem o meu cunho de designer. E as letras diferentes são sempre diferentes por uma razão. Quando comecei a desenhar, foi muito dificil para mim dar uma imagem só às minhas ilustrações. Como é que eu podia fazer uma coisa que tinha só uma cara quando eu estava a falar de países diferentes, pessoas diferentes, culturas e vozes diferentes? Então, pegando na ideia de que “a letra vê e a letra fala”, eu pensei: vamos então pressupor que diferentes letras são diferentes falas, diferentes vozes. E este projecto pede isso. Já que eu estava a querer dar voz a mais pessoas e já que eu estava a tomar que somos todos diferentes, mas que há algo que nos une, eu fiz assim. Quando comecei a desenhar, comecei então a tentar letras diferentes. Um P de um lado, um A do outro, e adorei o resultado final. E, ao mesmo tempo, é engraçado como elas são letras diferentes mas ao mesmo tempo têm uma certa harmonia entre si e eu acho que aí eu represento a língua portuguesa. É aquilo que nos une apesar de sermos todos diferentes. O “Já Sinto” é uma marca mutável, que também se aplica às novas tipografias que vão surgindo, porque eu percebi logo que estas letras são as minhas primeiras. E as primeiras que eu desenhei não têm nada a ver com as últimas que eu fiz. É normal, evolui-se, vai-se buscar coisas aqui e ali, coisas novas, letras novas… E a prova disso é que, como se pode ver nos cartazes, as letras vão mudando.

O projecto “Já Sinto” pode ser acompanhado nas redes sociais, através da página do Facebook e da conta no Instragram. Qual é o feedback que tem recebido por parte das pessoas?
Tenho tido um bom feedback, aliás, é cada vez melhor. Houve pessoas que me perguntaram onde é que eu ia pôr à venda os meus catálogos. Eu não fiz os catálogos para pôr à venda. Agora inicialmente, fiz para dar às pessoas na exposição. Mas é engraçado como eu estou a começar a ter o interesse das pessoas em se calhar haver um livro do “Já Sinto” ou um catálogo do “Já Sinto”, ou mesmo os posters. E isso é uma coisa que eu não comecei este projecto com essa ideia, com esse intuito, com essa intenção, mas claro que adoro o facto de as pessoas estarem interessadas nisso e tenho recebido imensas mensagens de pessoas a dizer que adoram o conceito. Aquilo de que me falam mais é do vídeo, porque o vídeo teve impacto, e o que me dizem sempre é que foi honesto e que sentiram aquilo comigo. Dizem mesmo: “tu estavas a falar e eu estava mesmo a sentir que esta pessoa adorou o Brasil, adora Portugal e está mesmo a adorar este projecto. Ela sente tudo o que está a dizer, nada daquilo é falso e realmente não é”. E o que eu adoro é que as pessoas sentiram essa honestidade, toda a gente se ligou muito a este projecto, e até as próprias tipografias. Mesmo em termos de design, também tenho recebido um bom feedback sobre elas. Eu estou sempre a querer saber a opinião das pessoas. Eu adoro receber mensagens das pessoas, ver até comentários sobre o projecto. Receber feedback é importante no sentido de perceber a direcção do público em relação ao projecto, porque o público está comigo a fazer a direcção da corrente, eu não quero fazer isto completamente sozinha.

E de que forma é que podem participar e serem também elas uma parte deste projecto?
Eu queria fazer algo em que as pessoas pudessem participar, porque o meu projecto tem muito a ver com colaboração. As pessoas é que me enviam as fotografias. Então, para a exposição, fiz umas folhas com o inicio das minhas frases para que as pessoas completassem e escrevessem o resto. As pessoas escreverem as suas próprias frases, e eu própria hei-de de desenhar algumas que as pessoas escreveram. Eu acho que isso é muito giro, e já estou aqui a entrar noutra coisa, numa outra parte deste projecto. Eu quero estar sempre a elevar. Não me quero estar a repetir com este projecto, portanto, agora eu acho que talvez o próximo passo seja continuar, preencher mais algumas frases, e talvez tentar pôr à venda ou um catálogo das minhas frases, do projecto em si, ou então mesmo posters.

Outubro de 2015
Inês Antunes Malta

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