terça-feira, 6 de setembro de 2016

“Já Sinto”
um projecto que quer, acima de tudo, fazer sentir

Reportagem


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O projecto “Já Sinto” nasceu das ideias, das vontades e das fotografias que Filipa Jacinto teve, ganhou e tirou aquando da sua estadia no Rio de Janeiro. De regresso a Lisboa, decidiu pôr tudo isto e muito mais em prática, juntando os seus conhecimentos em design e tipografia ao seu gosto pela fotografia, a fim de recuperar valores perdidos e os transmitir ao maior número de pessoas. Nos dias 24 e 25 de Outubro, Filipa expôs o seu trabalho, em colaboração com o Projecto Travessa da Ermida, na Travessa do Marta Pinto, em Lisboa.





Filipa Jacinto licenciou-se em Design no IADE, tirou um curso de Design de Comunicação na PUC do Rio de Janeiro, para onde foi em intercâmbio e onde teve o seu primeiro contacto com a arte urbana e no início de 2015, com o seu regresso a Lisboa, terminou o Mestrado em Design e Cultura Visual no IADE. 

Foi no segundo ano de Mestrado em Design e Cultura Visual no IADE que Filipa Jacinto decidiu que queria ir para fora do país, participar num projecto de Intercâmbio, uma vez que precisava de ir para fora, conhecer novas coisas, novas pessoas e novos lugares a fim de conseguir encontrar a ideia certa para o projecto da sua tese. A sorte, ou talvez o destino, levou-a até ao Rio de Janeiro. “Eles têm um design muito mais particular do que nós, são mais ligados às artes plásticas, gostam mais das coisas manuais, um pouco como eu. Lá comecei a fazer umas disciplinas mais alternativas. Fiz umas quantas experiências em design muito diferentes”, conta.

Para além das mais valias que a cidade brasileira lhe trouxe a nível do Design, no Rio de Janeiro, Filipa começou a fotografar aquelas que seriam o ponto de partida do seu projecto. “A primeira frase que fotografei foi “queria um dia só viver contigo para sempre”. Eu estava no Rio, e não estava a querer vir-me embora, já só faltavam cerca de 4 meses para voltar, e realmente com essa frase parecia que a cidade estava a falar para mim”, diz. A partir daí, começou a fotografar todas essas frases, sendo que inicialmente o fazia apenas turisticamente. Era uma cidade nova e Filipa fotografava tudo o que lhe aparecia à frente, mas estas frases foram chegando e ficando e fazem parte da sua vida até hoje.

“A última frase que eu encontrei no Rio de Janeiro foi “pare aqui, aprecie a vida por um minuto e sorria”, do Oraculoproject. Faltavam três dias para eu voltar para Portugal. Eu até chorei.”. Quando chegou a Portugal, tinha uma mala cheia destas fotografias. O repertório era considerável e Filipa decidiu que queria fazer algo com aquilo, criar um projecto seu. E começou por querer ilustrar as mesmas frases que tinha fotografado, dar-lhes uma nova vida, ao nível da tipografia, uma vez que é uma área na qual Filipa trabalha. “Eu tentei fazer assim: o que é que eu adoro em design? Eu adoro arte, eu adoro tipografia e eu adoro fotografia também. Como é que eu posso juntar isto? Mais o design, claro. Fiz um bolo e consegui juntar estas áreas. Fui também buscar a arte urbana, porque para mim é uma arte que é expressiva. É a expressão artística da actualidade, é uma arte de que qualquer jovem gosta. É uma coisa muito honesta”, diz. 





O que a arte urbana transmite ou tenta transmitir
Filipa considera que, ao contrário do que acontece na publicidade, na arte urbana os sentimentos são puros, na medida em que aquilo que lá está é aquilo que é. “A cidade tornou-se num texto que por sua vez representa o que a sociedade acredita e defende”, diz Filipa, no texto de apresentação deste projecto. Filipa considera que, na arte urbana, não há ninguém a tentar vender uma ideia. As pessoas acreditam e sentem realmente tudo o que escrevem e começou a ligar-se às fotografias, e a ligar as fotografias a si também, àquilo que ela própria queria ser e ela própria estava a sentir. “O mais engraçado é que eu senti que estas pessoas não são ouvidas. As sociedades que se sentem mais marginalizadas e que sentem que a sociedade não as ouve, são aquelas que mais respondem a isso e são aquelas que mais tendem a criticar aquilo que se passa à nossa volta. Embora também haja muito aquela ideia de fantasia e de sonho, também característica da arte urbana, às vezes uma ilustração só para animar o teu dia. Mas de qualquer das formas as pessoas às vezes sentem que não estão a ser ouvidas e põem a voz delas nas paredes da cidade, porque a cidade é uma galeria sem restrições”, diz.

Tendo as fotografias, faltava um espaço para as ter e para as partilhar. Foi então que criou a página no Facebook, com a ideia de que não poderia ser uma coisa apenas sua mas de outras pessoas também porque, tal como diz Ellen Lupton: “para uma peça ser boa, tem que ter a colaboração do seu público”. Por isso, decidiu que não queria que a página fosse apenas a sua voz mas a voz de todos. A página estava criada, o primeiro passo estava dado, mas e agora?

“Vou fazer um vídeo! Mas um vídeo como? Eu sinto isto assim, eu acho que as pessoas realmente me deviam ouvir. Eu senti que devia dar voz a este projecto para o vídeo porque eu acho que as pessoas iam sentir que é honesto e que o que eu estava a dizer era sincero porque, com umas legendas, não era tão pessoal. Não era tão emocional. E então eu pensei que ia ter a minha voz e já que ia ter a minha voz, então ia ter também o meu corpo”, conta. Mas a cara de Filipa, essa, só se mostra no vídeo nos dois segundos finais e isso tem uma explicação. Filipa considera que não importa quem está a dizer o quê mas sim quem disse e porquê. Incluídas no seu projecto, estão muitas frases cujos autores são conhecidos, como é o caso do Mário de Belém e do Miguel Januário, mas nem sempre isto é possível. Muitas vezes, as frases não estão assinadas, mas para Filipa isso não interessa “ porque aquilo que interessa é a frase e não quem é que disse a frase, e essa parte realmente interessou-me. Então eu disse: vai aparecer a minha voz, e por três segundos vou estar no vídeo, só para que as pessoas perceberem que eu existo, mas não interessa quem é que eu sou”.

Numa brincadeira com o seu próprio apelido, Filipa acabou por dar o nome a este seu projecto. “Obviamente que está ligado ao meu nome, mas não é só isso. É “Já Sinto” de sentimento, no sentido de perceber como é que um sentimento define quem nós somos”, explica. “Há pessoas que dizem que não devemos tornar os nossos trabalhos muito pessoais senão as pessoas não vão ligar-se a isso, e eu ouvi muito essa opinião. A de que não devia ser eu a falar, não devia ser a minha voz nem o meu corpo, nem o meu nome. Mas eu penso que as pessoas de quem eu mais gosto e mais admiro na internet, as páginas e tudo isso, nesses casos, quanto mais pessoal é mais eu gosto”, acrescenta.

Filipa considera que para nos ligarmos ao trabalho de alguém temos de ter o mínimo de background, o mínimo de conhecimento sobre essa mesma pessoa, e só depois então pode haver essa ligação, essa conexão, essa relação com o projecto de gostar, de nos identificarmos e nos revermos nele de alguma maneira. “Isto porque eu sou igual, eu acabo por ser a cliente do meu próprio projecto. E o que é que as pessoas querem? Frases para guardar, frases para ler antes de ir dormir, que é o que eu quero também”, diz.

O sentimento em português
A língua portuguesa é também uma parte importante na descrição e na história deste projecto. Tal como se pode ler no catálogo de apresentação do projecto: “o desejo é saber o que quem sente em Português anda a dizer ao mundo. Agora, através deste projecto, essa ligação das diferentes culturas portuguesas encontram nele a hipótese de se reunir num só lugar”. E é por isto. É por isto que todas as mensagens são em português. Quando Filipa chegou a Portugal, depois da sua estadia no Rio de Janeiro, sentiu saudade, uma palavra que por mais que se tente traduzir para outra língua não se consegue. A língua portuguesa tornou-se então o elo de ligação, que mantinha próximo o que estava longe e que permitia também quebrar muitas das barreiras de separação para quem está fora do país, nas mais variadas zonas do mundo. Porque, não se baseando só nos países da língua portuguesa, como o Brasil e Portugal, Filipa quis descobrir até onde chegavam estas mensagens, escritas em português: “Eu encontrei uma frase portuguesa no Chile, e pensei que, se encontrei uma frase portuguesa no Chile, então, se calhar, há uma frase em português na Índia ou no Japão, não sei, é isso que estou a tentar descobrir com este projecto”.

“As ilustrações tipográficas são o cérebro deste projecto”
Sendo a parte do projecto em que são aplicados os conhecimentos de tipografia mas também de design, onde Filipa imprime o seu cunho pessoal, as ilustrações tipográficas mostram-nos letras sempre diferentes umas das outras - e, para isso, há uma razão. “Foi muito difícil para mim dar uma imagem só às minhas ilustrações. Como é que eu podia fazer uma coisa que tinha só uma cara quando eu estava a falar de países diferentes, pessoas diferentes, culturas e vozes diferentes?”.

E foi então que Filipa, partindo da ideia de que as diferentes letras representavam as diferentes vozes, decidiu dar voz a mais pessoas, sendo todas diferentes mas com algo em comum, algo que as une. Quando começou a desenhar, começou então a tentar fazer letras diferentes e a juntá-las. Hoje, considera que o “Já Sinto” é uma marca mutável, que se aplica às novas tipografias que vão surgindo. Nas ilustrações, pode até notar-se esta diferença. As primeiras ilustrações tipográficas feitas por Filipa nada têm a ver com as últimas, e estas por sua vez serão com certeza diferentes das próximas. Há uma evolução, uma procura de letras novas.




Gentileza gera gentileza
As frases incluídas neste projecto são submetidas a uma espécie de selecção, uma vez que costumam ser muito positivas: “Tenho algumas de sensibilização, mas normalmente sou mais de uma onda mais positiva, mais de amor, mais de gentileza, porque tem muito a ver com o meu início e com tudo o que eu vivi no Brasil. Eu gosto muito mais dessa parte, é o melhor que nós temos e eu queria mesmo chamar à atenção para isso, conseguir pôr um sorriso na cara das pessoas”.



E tem conseguido. O feedback que tem recebido por parte das pessoas é muito positivo e até já há ideias para desenvolver no futuro. “Houve pessoas que me perguntaram onde é que eu ia pôr à venda os meus catálogos. Eu não fiz os catálogos para pôr à venda. Agora inicialmente, fiz para dar às pessoas na exposição. Mas é engraçado como eu estou a começar a ter o interesse das pessoas em se calhar haver um livro ou um catálogo do “Já Sinto”, ou mesmo os posters. E isso é uma coisa que eu não comecei este projecto com essa ideia, com esse intuito, com essa intenção, mas claro que adoro o facto de as pessoas estarem interessadas nisso e tenho recebido imensas mensagens de pessoas a dizer que adoram o conceito”, afirma.

Seguindo esta máxima de que “gentileza gera gentileza”, Filipa está sempre a querer saber a opinião das pessoas que acompanham o seu projecto. “Receber feedback é importante no sentido de perceber a direcção do público em relação ao projecto, porque o público está comigo a fazer a direcção da corrente, eu não quero fazer isto completamente sozinha. A frase “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, do Fernando Pessoa, é o início da minha tese e eu realmente sinto isso, eu queria dar voz a todos os sonhos das pessoas”, explica.




A exposição
O projecto Travessa da Ermida, situado na Travessa do Marta Pinto, em Belém, é um projecto cultural inovador, destinado a ocupar um lugar de referência na cidade de Lisboa, em geral, e no bairro de Belém, em particular. Filipa teve conhecimento deste espaço dedicado à divulgação de novos projectos através de uma amiga e apresentou o seu projecto ao responsável pelo espaço. 

Depois de a proposta ter sido aceite, começaram todos os preparativos. Para juntar aos posters, a o catálogo de divulgação do projecto, com todas as frases nele incluídas até agora, Filipa fez ainda umas folhas com o início das suas frases para que, durante a exposição, as pessoas pudessem completá-las e dar-lhes novos sentidos. “As pessoas escreveram as suas próprias frases, e eu própria hei-de desenhar algumas dessas frases que as pessoas escreveram”, conta.

Para além da exposição dos seus posters, que ocorreu nos dias 24 e 25 de Outubro, e da exibição do seu vídeo, que pode também ser visto na sua página do facebook deste projecto, e onde se pode acompanhar também todas as novidades que vão surgindo, foi ainda pintada na fachada do número 21 da Travessa do Marta Pinto a frase-chave deste projecto: “Vive, aprende e passa a mensagem”, que pode ser visitada até Fevereiro de 2016 por quem já sente ou ainda queira sentir.



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