terça-feira, 6 de setembro de 2016

À conversa com José Manuel Rosendo

“Se as pessoas estiverem sentadas no chão, eu sento-me também com elas, e só depois é que tento chegar à conversa com elas. Se não percebermos as pessoas, não percebemos o resto”

O jornalismo de guerra é uma parte do jornalismo que vai buscar uma determinada parte, um determinado conjunto de características que o jornalista tem ou deve ter em si. O jornalismo de guerra, segundo Francisco Sena Santos, prende-se sobretudo com a “profundidade do contar a história” porque “enquanto o repórter vai ver um problema com uma árvore, por exemplo, o grande repórter olha para o conjunto todo, tenta perceber a origem do problema”.

Natural do Pinhal Novo, José Manuel Rosendo é um dos exemplos de quem faz este tipo de jornalismo, de quem tenta acompanhar o que se passa em sítios de guerra e compreender as coisas a partir das pessoas. Foi na rádio local desta localidade pertencente ao concelho de Palmela que começou a sua carreira. Frequentou um curso de Jornalismo no Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas, e em 1993 entrou para a Rádio Press. Ainda no mesmo ano, deixou este trabalho e começou a trabalhar na Antena 1. Hoje, é na rádio que faz a cobertura de vários acontecimentos a nível internacional e assina várias reportagens feitas em zonas de conflito, fazendo também colaborações esporádicas com a Agência Lusa e com o Jornal de Notícias.

Sendo para Francisco Sena Santos “um grande contador de histórias”, José Manuel Rosendo tem em si a especial característica de querer ir para a guerra, de querer ir contar a guerra, auto-propondo-se muitas vezes para fazer esses trabalhos. Em 2015, esteve presente na crise dos refugiados nos Balcãs, Macedónia e na Ucrânia e também na fronteira entre a Turquia e o Iraque, zona de conflito, onde esteve duas semanas, e para onde foi por sua vontade e proposta.

Tendo estado presente em várias zonas de conflito, em várias zonas de guerra, são as várias as coisas, várias as experiências e várias as histórias que José Manuel Rosendo tem para contar, sem esquecer o seu trabalho enquanto jornalista. Há sítios na guerra onde o controlo é demasiado apertado e nos quais, tal como disse, “é preciso estar lá mais tempo para poder obter determinadas autorizações para ir a determinados sítios, ou seja, o repórter vai com o tempo contado e não pode estar três dias à espera de uma autorização”.

Nestas situações específicas, não basta que o jornalista tenha consigo o tradutor mas também os “fixers”, que são contactos que o jornalista tem no terreno, e que até podem ser jornalistas locais, que indicam ao jornalista as pessoas com quem este pode falar para conseguir determinada informação ou chegar até determinado objectivo.

Em relação ao Estado Islâmico, José Rosendo não considera que seja uma guerra religiosa, considera que no fundo há ali uma intensão política. A religião é apenas uma arma, a que está mais à mão, porque poderia ser outra qualquer.  “Sabemos muito pouco do Estado Islâmico, não sabemos quantos são, não sabemos que tipo de armas é que têm. Esta guerra é muito interessante porque tem imensos interesses cruzados, e a religião é apenas um instrumento para desculpar estes confrontos”, diz.  Nas viagens que faz, há sempre uma lista de coisas que não lhe pode faltar: os mapas da região para onde vai, os últimos artigos de sites que segue sobre a situação, dois gravadores, muitas pilhas, por ir muitas vezes para sítios onde não há corrente eléctrica, um satélite, e um colete de protecção.

Vários sítios onde esteve desapareceram nos dias a seguir e, em relação a estas situações, o jornalista considera que “é tudo uma questão de estar na hora certa ou na hora errada no local certo ou no local errado”.

José Manuel Rosendo estava no local quando a 12 de Novembro se deu o primeiro grande atentado da Al-Qaeda, em Nassiria, no sul do Iraque. Depois do atentado, logo no dia a seguir, é assaltado e raptado. “Não há nada a fazer quando nos param o carro e há outros carros que nos trancam com kalashnikovs do lado de fora. Parou, não é? Não há heróis. Passa tudo e mais alguma coisa pela cabeça. Há ali uma necessidade de manter o sangue frio. Não sei se é a própria adrenalina que nos ajuda a manter esse sangue frio mas é preciso nunca entrar em desespero. É preciso não hostilizar, é preciso tentar estabelecer pontos de ligação”, conta. Até hoje, diz que ainda não sabe como conseguiu libertar-se e sair daquela situação mas está “convencido de que o meu guia conseguiu convencê-los de que eu era um jornalista português por quem ninguém daria dinheiro”.

Em relação à preparação física que um jornalista de guerra tem de ter para se defender, José Rosendo considera que, embora perante uma arma não haja nada a fazer, há que ter a preparação física adequada, para aumentar a resistência, por exemplo, porque “fazer reportagem nestes sítios é fisicamente muito exigente”.

“Nós hoje vigiamos o poder ou somos instrumentos desse mesmo poder? Eu quando vejo as agendas fico preocupado porque a maioria dos pontos de agenda é acompanhamento de ministros, actos oficiais. Afinal o que andamos a fazer? Isso leva-nos a não ter recursos e espaço em antena para abordar outro tipo de questões mais importantes. Se dedicássemos um décimo do tempo que discutimos futebol a debater outras questões não teríamos ficado tão assustados quando os refugiados nos bateram à porta”. José Manuel Rosendo esteve na fronteira da Grécia com a Macedónia,  no campo de refugiados, em Agosto e Setembro deste ano, e lá a relação com o jornalista não existia. Havia muita tensão e pouco espaço para conversar com os jornalistas. “Os jornalistas têm tendência para se atrapalharem uns aos outros e os silêncios, muitas vezes, também são reveladores, são grandes respostas”, diz.

José Rosendo centra muito o jornalismo que faz nas pessoas, sobretudo na relação que estabelece com as pessoas. Há que perceber as pessoas, perder o devido tempo com elas, não chegar e impôr logo a presença do jornalista, que no fundo é um estranho. Há que ir com calma. “Se as pessoas estiverem sentadas no chão, eu sento-me também com elas, e só depois é que tento chegar à conversa com elas. Se não percebermos as pessoas, não percebemos o resto”.

Independentemente do tipo de jornalismo que se faz, considera que“as regras do jornalismo são iguais em todo o lado”. Há que não enganar o público que está indefeso perante a informação que lhe chega, seja de uma zona de conflito, ou de outra situação qualquer, porque “quem nos está a ver acredita em nós e eu preciso que as pessoas acreditem em mim, e para isso tenho de manter a minha credibilidade intacta”, diz.

Janeiro de 2016
Inês Antunes Malta

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