terça-feira, 6 de setembro de 2016


Colóquio AMI - Jornalismo Contra A Indiferença


Carlos Narciso e Cândida Pinto foram dois dos jornalistas convidados presentes no Colóquio da AMI - Jornalismo Contra a Indiferença. Tendo como ponto de partida o tema do primeiro painel, “Jornalismo em Cenário de Guerra”, debateram-se várias questões acerca do trabalho de um jornalista em situações de guerra, e contaram-se histórias de trabalho mas sobretudo histórias de vida. O evento teve lugar no passado dia 21 de Abril, na Escola Superior de Comunicação Social.

O moderador, Paulo Moura, começou por fazer referência ao trabalho que realizou, juntamente com Cândida Pinto, para fazer a cobertura da chamada Primavera Àrabe. “Para quem esteve lá, e fez o melhor que pôde, a questão é se é possível fazer um trabalho bem feito, se é possível fazer jornalismo em zona de conflito sem sermos enganados”.

A reportagem a partir do local “é vital, é muito importante, mas não tenho a leviandade de pensar que aquele testemunho é a realidade, é a verdade. Aquilo é uma parte. Nós só temos acesso a uma parte da realidade, começou por dizer Cândida Pinto. “Não podemos ter a pretensão de que temos a verdade, a realidade, sobre situações, que estão elas próprias em mutação, acrescenta.

Acerca dos problemas com que os jornalistas se deparam quando vão para um país novo, completamente desconhecido, e que, pior do que tudo, está em guerra, Carlos Narciso referiu que quando vamos, por exemplo, para um país árabe, ficamos analfabetos. Não sabemos ler nem escrever, ficamos à mercê das pessoas que nos rodeiam e muitas vezes nem sequer nos apercebemos das verdadeiras intenções dessas pessoas. “É muito escorregadio. Corremos o risco de ser enganados e de enganar quem acompanha o nosso trabalho”.


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A propósito do recente caso do naufrágio no Mediterrâneo, Cândida Pinto, que trabalha numa redação, contou que, em casos destes, chegam sempre imensas imagens às redacções e assim os naufrágios acabaram por entrar na banalidade. “As imagens publicadas nestes casos são sempre imagens com alguma distância, não humanizam. E daqui a 10 dias já acabou. Não acabou a tragédia, acabou o foco” - o foco mediático do acontecimento, muitas vezes ligado aos interesses internacionais, que faz com que muitas das vezes se perca o conteúdo noticioso. “Tem muito a ver connosco, com quem nós somos. Nestes casos, o repórter pode fazer a diferença”, afirmou Carlos Narciso.

“Hoje em dia, há pontos no mundo onde um jornalista não é bem recebido, onde não se pode fazer jornalismo”, disse Paulo Moura, lançando uma nova questão “Nós nunca sabemos bem que chão estamos a pisar. E quando ouvimos falar na possibilidade de rapto, isso restringe a nossa actividade mas temos de continuar a trabalhar. E eu trabalhei sempre até às 16h”, hora a partir da qual existia um recolher obrigatório para os jornalistas, como contou Cândida.

“Eu já vi jornalistas paralisados pelo medo, ao ponto de não sairem dos hotéis. Mas estar num cenário de guerra é estar num sítio onde qualquer reportagemzeca tem um ponto de interesse. E nesse sentido é mais fácil trabalhar, se nos esquecermos do medo”, disse Carlos Narciso, para quem uma coisa é certa: “Tudo o que eu conto em reportagens que faço, é verdade que eu vi”.

Na Turquia, a maior fonte de informação é o Facebook. As redes sociais podem tirar, em parte, o mérito e o reconhecimento ao trabalho de um jornalista, no sentido em que qualquer pessoa pode publicar uma notícia ou reportar um acontecimento. Mas, ainda assim, este é um tipo diferente de jornalismo. E é neste sentido que surge a pergunta: Qualquer pessoa pode publicar nas redes sociais uma certa notícia mas será que qualquer pessoa pode ser repórter de guerra?

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“É preciso ter aptência para este tipo de trabalho. É preciso experimentar mas, sim, em principio, sim, tendo sempre em conta que os azares também acontecem. A Maria João Ruela esteve 15 minutos no Iraque e levou um tiro na perna. Há uma aprendizagem que fazemos ao longo do tempo. Acabamos por ganhar instintos, acabamos por aprender como nos dirigir às pessoas. Eu vou muito pelo meu instinto. Há coisas que faço porque acredito que é o momento e a altura certa.”, disse Carlos Narciso, em jeito de conselho para os jovens e futuros jornalistas que desejam vir a trabalhar nesta área.

“É uma questão de cabeça. Ninguém está livre”. Ser consciente, responsável, saber lidar com o medo, que, segundo Cândida Pinto, “é uma coisa que se aprende” são coisas essenciais para quem quer exercer esta profissão, muito exigente a nível físico, mas sobretudo a nível psicológico. Falando, por fim, nos riscos que se correm numa profissão como esta e no facto de ser uma mulher a fazer este trabalho em alguns países onde a mulher é muitas das vezes ignorada, Cândida Pinto referiu que nunca sentiu uma grande limitação pelo facto de ser mulher, uma vez que a nível internacional há imensas mulheres a fazer este tipo de trabalho. “No Irão, por exemplo, é preciso sempre andar coberto no espaço público, mas essas coisas não interferem com aquilo que eu estou a dizer e com aquilo que eu estou a pensar. Isso é montra”, contou. Cândida considera que nunca temos que nos demitir do que nós somos, da nossa formação e da nossa personalidade, em qualquer que seja a situação. “Temos é que saber estar e actuar perante condições que podem ser mais adversas ou menos adversas. Eu não me demito de forma alguma, seja onde for, de ser mulher, era o que faltava”, concluiu.

Maio de 2015
Inês Antunes Malta

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