terça-feira, 6 de setembro de 2016

Artigo sobre jornalismo de guerra + aula com Alexandra Lucas Coelho


O jornalismo de guerra é uma parte do jornalismo que vai buscar uma determinada parte, um determinado conjunto de características que o jornalista tem ou deve ter em si. O jornalismo de guerra, segundo Francisco Sena Santos, prende-se sobretudo com a “profundidade do contar a história” porque “enquanto o repórter vai ver um problema com uma árvore, por exemplo, o grande repórter olha para o conjunto todo, tenta perceber a origem do problema”.


Na preparação de uma reportagem em zonas de conflito, há uma série de passos a seguir, uma série de coisas que devemos fazer e preparar antes de ir, e tudo isto varia consoante as circunstâncias em que decidamos ir. A primeira. Onde e quando ir. Se escolhermos ir antes, por iniciativa própria, teremos de escolher uma zona onde se prevê que possa vir a existir um conflito. Pode também ser numa zona onde ele esteja a acontecer ou então uma zona depois de o pior já ter passado e então recolhe-se o que ficou, fala-se das consequências que teve e do que está a acontecer agora que o pior já passou.


A segunda. Como ir. Se formos sozinhos, é preciso organizar cooperação com outros jornalistas a fim de dividir despesas e riscos, desenvolvendo o espírito de entreajuda entre todos. É preciso ter bem presente a nossa liberdade, a nossa independência, mas também a procura de ajuda para que o risco seja menor. Há também a hipótese de ir integrado numa unidade militar, mas nesse caso, por motivos de segurança, o jornalista não pode dizer exactamente onde está nem quais são os planos, de ir à boleia: neste caso, o jornalista vai com uma organização não governamental e pode sempre optar por fazer trabalho local em conjunto com esta organização, ou ainda de ir perante um convite. Esta é uma situação com muito menos liberdade, uma vez que o jornalista só vai aos locais que o guia lhe mostra.


A jornalista Alexandra Lucas Coelho esteve em Jerusalém em 2005 e explica que quando decidiu isso teve de falar com o jornal e fazer a sua proposta: “eu tenho de convencê-los de que aquilo é jornalisticamente interessante. Tive de construir um caso, onde é que vou, porque é que vou, o que é que vai ser interessante para o jornal e porquê. Fui para um quarto alugado em Jerusalém, 500 dólares por mês, e nestas alturas é tudo muito complexo, sobretudo por termos de gerir as histórias que nós queremos fazer e aquelas que o jornal sugere e acha que são importantes que façamos”.


Na realização deste tipo de trabalho, o jornalista pode ir para o sítio em questão ainda sob diversas condições, isto é, consoante o contrato que estabeleceu, ou não, em conjunto com a empresa para a qual trabalha. Se for como enviado especial, o jornalista trabalha para um meio de comunicação e este envia-o para uma zona de guerra, onde há interesse que toda essa situação seja coberta por um repórter que vai só para esse efeito. Nestes casos, o jornalista vai ao serviço dessa mesma empresa, e é esta que paga as despesas, trata da logística e também do equipamento que seja necessário o jornalista levar consigo. “On Assignment”: neste tipo de situações, o jornalista freelancer vai com um contrato com uma empresa para a qual trabalhe para fazer uma missão específica, para fazer um determinado trabalho, e funciona como se fosse um enviado especial. Aqui, o jornalista tem a responsabilidade de exclusividade, ao contrário de situações em que o jornalista vai “À peça”, vai por sua conta e vontade e depois vende o trabalho. Há ainda o tipo de contrato “sem rede”, no qual o jornalista arrisca e depois tenta vender o trabalho ou então recolhe o seu material de modo a que depois consiga fazer um trabalho maior, como escrever um livro sobre o assunto, por exemplo.


No que diz respeito ao equipamento a levar numa viagem deste cariz, há que levar o mínimo possível: mochila, bloco de notas, gravador, smartphone, telemóvel desbloqueado (para usar um cartão de lá), carregadores e adaptadores, kindle (para ler material que possa interessar para o trabalho), canivete, sapatilhas, pouca roupa e saco-cama. Pode ainda ser necessário: telefone de satélite, máscara de gás, capacete, e equipamento para armas químicas e biológicas.


É importante reunir o máximo de informação que se consiga sobre o local para onde vamos, para o conflito que vamos enfrentar, para tudo o que possamos encontrar. Devemos manter várias possibilidades em aberto para que depois não sejamos surpreendidos, embora muitas das vezes isto são situações que acontecem muito depressa, é necessário ir logo, não deixando tempo sequer para toda esta preparação. Para além das informações sobre o sítio, os contactos também são muito importantes, tentar arranjar contactos que no local que nos levem às pessoas e aos sítios certos, afim de conseguirmos fazer o nosso trabalho sem impedimentos, ou sem menos impedimentos, neste sentido.


Ler, ver filmes ou ouvir música própria do sítio onde estamos para conseguirmos compreender melhor o espírito do sítio onde estamos, compreender melhor o que nos rodeia, tentar, através destes instrumentos, compreender o que esse sítio nos diz. Porque também não basta estar lá para compreender o sítio e para compreender o que se passa. É muito mais complexo. Vai muito além disso.


“É preciso preparação. Sobretudo porque quanto mais perigoso, quanto mais códigos existirem ali, que possam de alguma maneira pôr em risco a nossa vida e a vida de outras pessoas, mais nós nos temos de preparar, no sentido em que se virmos certa coisa sejamos capazes de a decifrar”, diz Alexandra Lucas Coelho.


Não conseguindo certamente chegar a todos, o importante é que passe uma versão geral do que está a acontecer, não esquecendo mesmo todos os outros que nela não estão incluídas. Ir aos locais, procurar histórias, escrevê-las, e sobretudo guardá-las. Tendo sempre o cuidado e a atenção de que certas informações podem não ser verdadeiras, certas pessoas podem não ser bem intencionadas e que o jornalista pode correr perigo, é também importante que não se tome partidos. Que se respeite e se ouça cada uma das pessoas, cada uma das histórias, e que se respeite também o direito à privacidade na fonte, não divulgando informações que possam pôr alguém em perigo, ou até mesmo nós próprios.


A comunicação é feita através de telemóvel, da internet ou então, quando esta falha, através do satélite. Quando estamos em plena guerra, os transportes sobem de preço de uma forma completamente descontrolada, e neste caso a solução é encontrar outros jornalistas com quem possamos partilhar os carros; o alojamento também; os tradutores são necessários em zonas onde não seja possível encontrar alguém que fale alguma língua em comum com o jornalista; os guias e os fixers, pessoas do local que levam o jornalista até aos locais e às pessoas.


Alexandra Lucas Coelho conta como foi a sua primeira vez em cenário de guerra. Tinha 22 anos e estava de férias em Moscovo com o namorado. Corria o mês de agosto de 1991 e acabara de haver um golpe de estado. “Às 5h30 da manhã toca o telefone e era o Sena Santos a dizer que tinha havido um golpe de estado, o Gorbachev tinha sido raptado e portanto era altura de ir trabalhar. Eu tinha caneta, papel e um telefone. Punha o gravador no telefone e o som era gravado lá em Lisboa, assim como o texto, que era lido e também gravado do outro lado, e era assim que se fazia reportagem. E eu fui falando com as pessoas, fui cobrindo as manifestações, gravando os sons e a minha primeira reportagem foi assim por acaso”, conta.


Uma vez no local, há que não esquecer o que nos levou até lá. É importante contar histórias, procurá-las para que possam ser contadas e depois então encontrar a melhor maneira para o fazer. Os clássicos, sim, no hospital, uma pessoa que perdeu um familiar, mas também casos concretos que ajudem a contar a história do que aconteceu no geral. Ir à casa das pessoas é uma alternativa, por exemplo. Esta é uma parte importante da história que tem de ser contada, incluindo os casos particulares, o cenário em geral, mas também uma pequena história do local, da informação militar e das questões políticas e estratégicas subjacentes, às pessoas que do outro lado vão ouvi-la, seja do outro lado do ecrã, do outro lado das folhas de papel ou do outro lado das ondas sonoras.

Inês Antunes Malta

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