terça-feira, 6 de setembro de 2016

Artigo de opinião
Jornalismo de Guerra
"É possível fazer jornalismo, fazer bom jornalismo, em cenários de guerra?"


Quando o jornalista chega a um lugar de conflito, a um lugar onde está perante um clima de guerra, tem de tentar perceber onde está, o que se passa à sua volta, o que é que já aconteceu e o que é que é possível que ainda aconteça. Está a ir para um sítio para onde provavelmente nunca foi, um sítio que muito provavelmente não conhece. Na impossibilidade de algum tipo de preparação antes da partida do jornalista para o local, este não conhecimento implica as ruas, o sítio físico em si mas também a língua, os costumes, etc.

Um problema com o qual muitos jornalistas têm de lidar perante o desconhecido é o facto de poderem ser enganados. Não conhecendo as pessoas, não conhecendo o sítio, não conhecendo a língua, estão de certa forma muito mais vulneráveis às pessoas que os rodeiam e podem nem sempre conseguir decifrar, nem sempre conseguir perceber, de forma correcta as suas verdadeiras intenções. E por isso podem ser enganados, nas informações que lhes fornecem, ou enganados até ao ponto de serem aliciados para determinado sítio e depois cairem numa cilada, serem raptados ou até mesmo, no pior cenário possível, mortos. No seguimento deste problema, que decorre do facto de as informações fornecidas aos jornalistas poderem ser falsos, há ainda que considerar uma outra questão: o jornalista, ao ser enganado, com determinada informação, vai transmitir essa mesma informação a que teve acesso e vai, por sua vez, enganar quem acompanha o seu trabalho. Tal como Cândida Pinto disse, na Conferência da AMI, Jornalismo contra a Indiferença, que teve lugar na Escola Superior de Comunicação Social, no passado dia 21 de Abril, “É vital termos testemunhos mas não podemos ter a leviandade de pensar que aquele testemunho é a realidade, é a verdade. Aquilo é uma parte. Só temos acesso a uma parte da realidade, da verdade. Não podemos ter a pretensão de que temos a verdade sobre situações que estão elas próprias em mutação”.

Ao mesmo tempo que tudo parece muito mau no facto de um jornalista pisar terrenos de guerra, que se tornam cada vez mais perigosos a cada movimento, há também que não esquecer que estar num cenário de guerra é estar num sítio onde qualquer informação passada pode ter um ponto de interesse. Qualquer reportagem feita, vinda do local em causa, seja ela bem ou mal feita, mas sendo feita com tudo aquilo que se consiga no momento, perante as condições em que o jornalista está, tem um ponto de interesse pelo facto de ser feita a partir do local onde tudo está a acontecer. E, neste sentido, o trabalho do jornalista pode até ser considerado mais fácil, a nível de exigêcia, se o próprio jornalista se esquecer do medo e do perigo.

Em suma, o mais importante a reter, perante a questão inicial “É possível fazer jornalismo, fazer bom jornalismo, em cenários de guerra?”, é que para quem está nos sítios, são muitos desafios pela frente.  Há muita coisa para fazer, muita coisa para gerir e muita coisa com a qual se tem de saber lidar. O surgimento de várias informações, a credibilidade das fontes que dão essas mesmas informações, o medo, o perigo, o cansaço, o estar perante o desconhecido e a possibilidade de a qualquer momento as coisas mudarem. Fazer ou não um bom trabalho depende do país onde o jornalista está, da situação onde está inserido, de com quem está, mas depende acima de tudo do jornalista. Do seu trabalho, do trabalho que pretende desenvolver naquele lugar. O que é que quer e o que é que não quer. O que levou consigo, bem presente na sua mente. As questões éticas, a consciência e a responsabilidade. A maneira como vai agir, escolhendo arriscar ou jogar pelo seguro.

Maio de 2015
Inês Antunes Malta

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